quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

re-ser palavra

Palavra boa
Não de fazer literatura, palavra
Mas de habitar
Fundo
O coração do pensamento (Chico Buarque - Uma Palavra)
Hoje, só hoje, queria re-ser papel pintado, re-ser folha escrita, cheia de segredos, memórias e emoções. Palavras caladas, no seu todo.
Esta folha em que escrevo: queria re-ser esta folha, para me deixar ser desenhada, rabiscada, riscada, ora por um punho convicto de tudo o que é, ora por uma mão leve, com receio de provar o sabor de uma aventura pelo seu interior.
Gosto desta sensação e me deixar ser papel gasto, de sentir a o toque da caneta, o deslizar do azul e a imensidão do que não se diz.
Talvez as palavras habitem em mim, em qualquer canto por desvendar, talvez me visitem em sonhos perdidos em correria de dias pouco sonhadores.
Gosto mais quando vocês, palavras, me escrevinham o pensamento e se desenham em histórias alienadas do mundo real, quando ocupam o meu sangue e entro numa ebulição que me leva a saber fazer deslizar uma caneta numa folha branca, sem parar para respirar.
Letras ordenadas, hieróglifos fora de ordem: o que desejava mesmo era re-inventar as palavras, para ter o dom da poesia. Mas as linhas do caderno esticam-se e obrigam-me a versos demasiado longos, que rimam apenas com os sonhos em que me perco e me encontro, em estado de palavra, algo entre a sólida consistência do papel, o líquido correr da tinta e o gasoso dourada da maratona de letras, em provas de resitência contra o desgaste da rotina.
Queria re-ser papel escrevinhado, porque re-ser papel gasto é ser dono de vontades e de infinitos, é ser dono de coisas que nem dono têm. Re-ser folha rabiscada por tinta clara é saber abraçar o universo e ter ao colo todas as estrelas. Re-ser assim, caderno promovido a confidente, é saber juntar a Lua e o Mar, é ALuaMar.
Brincar com as palavras é fazer música dentro de nós, é deixarmo-nos habitar por algo novo, é ver das alturas o que sempre vimos do chão, é a vertigem a que nos arranca o mais frio arrepio e nos deixa re-ser tudo.
Procurar contar a uma página em branco o que se sempre viveu em nós ou o que procuramos, quando palmilhamos o mundo, é o maior desafio.
É por isso, e nada mais, que depois de se re-ser folha de papel pintada com emoções que se deixam levar pela tinta, re-somos nós mesmos (mas mais leves, muito mais leves).

2 comentários:

Sierana disse...

Estou agora agarrada à Susuki (a minha guitarra, um dia conheces!), fazendo os dedos deslizar sobre as cordas desafinadas... Queria re-ser estas cordas desafinadas e parar de correr, parar de correr afinadinha. E ainda bem que passo por ti e me sinto tão mais leve, e me sinto a re-ser, tudo o que este palavrão implica, preenche-me e inspira-me :D Inspiras-me! Adoro ler-te, a maneira como te soltas e voas, e tocas mesmo com a pontinha do nariz do céu :) A maneira como fazemos das palavras uma grande brincadeira. És espantosa mi lua, mar teu. ALUAMAR

JoanaC. disse...

eh lá mais um texto, estou absbílica (se é que esta palavra existe). sabes perfeitamente que as palavras em ti têm outro significado, usas e abusas das senhoras donas meninas, fazendo um céu, um céu com estrelas, um céu com estrelas e Lua* adoro.t Lu