sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

haiti

o aquecedor da sala está ligado, tenho o cobertor em cima das pernas e dois casacos vestidos. as imagens do haiti na televisão, a passar há horas. estou gelada. mãos frias. arrepios*. a nossa viagem de finalistas devia ser ao haiti. um mês de voluntariado no haiti. a reconstruir o que não é nosso, mas que trará sorrsisos que serão nossos, no haiti.
*nem a poesia afro-quente do ondjaki me aquece

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

deixa de espalhar as férias pela casa

Deixa de espalhar as férias pela casa. Não semeies os teus biquinis no chão à espera que se desfaçam em areias remexidas pro ventos vividos.
Refugiaste-te no chão da sala à espera do mar, não foi? Embrulhada no teu cobertor, com um chá de canela e gengibre a aquecer-te as mãos (e o que te aquece a alma?).
Tinhas-te esquecido deste frio, quando estavas quente de sorrisos, viajante. Agora voltaste ao reboliço e tens os pés gelados (e tu inerte). Não dessarumas a mala com medo de te desarrumares. Tens razão. É um risco, uma viagem sem paraquedas.
O que querias trazer no bolso? O calor? Os búzios? Era a mão cheia de pessoas que deixaste lá? Onde andas? Não espalhes assim os chinelos, não deixes as férias entrar, já te tinha dito. Não é suficiente a melancolia que guardaste em ti na viagem de regresso, aquela que tentaste esconder em nuvens ao pôr-do-sol? E as centenas de fotografias? Quantas vezes já lhes passaste os olhos e descobriste novas viagens?
Costumavas ter a música altíssima, mas ainda não ouvi o trautear de uma canção. Sentes o precipício da rotina a aproximar-se? Estás consciente da obrigação dos telefonemas, das mensagens, dos e-mails. Agora, as horas simplesmente não passam por ti, nem no seu costumeiro passo rápido, nem vagarosa e demoradamente. Deixas-te ficar aí parada a guardar as lágrimas de uma despedida num canto que acabaste de encontrar.
Tu no espelho a admirar as marcas do sol, o dourado que resta de uns dias que deixaste naquele país. Não, as férias aqui em casa não! Já te pedi para não te sentares como se estivessem guardadas, na tua mão, todas as horas do mundo, como se o vestido de linho branco se fosse sempre amarrotar na eternidade das conversas de esplanada.
Mexes os pés à procura de um novo ritmo, com saudades de outro batuques, levantas-te e o teu corpo movimenta-se sozinho no encontro com as contradanças (as danças ficaram arrumadas na mala por desarrumar).
Agasalha-te, veste o casaco, faz as pazes com o chapéu-de-chuva, com o cobertor da cama e não olhes para a lareira com esse desdém. O calor ficou lá, num Dezembro africanizado. Eu sei o que trouxeste contigo e do que querias tu ter feito bagagem, daquelas com a etiqueta «frágil». É como te sentes.
Não espalhes assim essas memórias, não deixas ninguém confortável. Já viste se sentam em cima delas, no sofá? Telefona aos teus pais a dizer que chegaste, uma mensagem de regresso, um sinal de que não te perdeste na imensidão de um continente espelhado nos olhos das pessoas de sorriso fácil e calor no coração.
Não te custava nada pores as férias a um canto. Já viste o frio que faz lá fora? Calça-te e não me seduzas com esse teu novo andar gingão, de quem tem o tempo todo para pensar qual o é o próximo pé a tocar no chão.